terça-feira, 30 de agosto de 2011

Taoísmo: Sua doutrina, vida religiosa e teologia

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma cópia literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern exceto pela figura. Os méritos são dos autores.

O taoísmo se baseia num livro chamado Tao Te Ching, "O livro do Tao e do Te". Tao (ordem do mundo) e te (força vital) são antigos conceitos chineses aos quais Confúcio deu uma interpretação um pouco diferente.

O Tao Te Ching é um livrinho de apenas vinte ou 25 páginas, dividido em 81 capítulos. Ninguém sabe ao certo quem o escreveu, mas diz a lenda que foi o filósofo Lao-Tse, que viveu no século VI a. C, tendo sido mais ou menos contemporâneo de Confúcio. As histórias sobre a vida de Lao-Tse são muitas e variadas, e os historiadores não têm certeza sequer se ele de fato existiu. Feita essa advertência, abaixo vamos nos referir a Lao-Tse como autor do Tao Te Ching.

Tao — O Grande Princípio

Para Confúcio, o tao era a suprema ordem do universo, que o homem tinha de seguir. Lao-Tse também concebia o tao como a harmonia do mundo, especialmente do mundo natural. Só que ele foi mais além: o tao é a verdadeira base da qual todas as coisas são criadas, ou da qual elas jorram. Várias vezes o tao é descrito como o "Céu", isto é, como algo divino, embora não seja um deus pessoal.

A diferença mais importante entre a concepção de Lao-Tse sobre o tao e as outras é que Lao-Tse acreditava ser impossível descrever o tao de maneira direta e racional. "O tao que pode ser descrito não é o tao real", disse ele. Isso significa que o homem não pode investigar ou estudar a verdadeira natureza do tao, não pode usar o intelecto para compreendê-lo. Ele deve meditar, imerso numa tranqüilidade sem nexos e esquecer todos os seus pensamentos a respeito de coisas externas, como o lucro e o progresso na vida. Só então irá alcançar a união com o tao e será preenchido pelo te, a força vital.

Vida social

O taoísmo implica passividade e não atividade. Para um sábio taoísta, a ação mais importante é a "não-ação". Isso obviamente tem uma grande influência em sua visão da vida comunitária. Enquanto Confúcio desejava educar o homem por meio do conhecimento, Lao- Tse preferia que as pessoas permanecessem ingênuas e simples, como crianças. Enquanto Confúcio ansiava por regras e sistemas fixos na política, Lao-Tse acreditava que o homem deveria interferir o mínimo possível no desdobramento natural dos fatos. Confúcio queria uma administração bem-ordenada, mas Lao-Tse acreditava que qualquer administração é má. "Quanto mais leis e mandamentos existirem, mais bandidos e ladrões haverá", diz o Tao Te Ching.

O Estado ideal de Lao-Tse era a pequena comunidade (a aldeia ou a cidade pequena) que, segundo ele, existia já nos tempos antigos. Ali as pessoas tinham vivido em paz e contentamento, sem interesse em guerrear contra seus vizinhos, como fizeram mais tarde as províncias chinesas. O líder devia ser um filósofo, e sua única tarefa era que sua passividade e seu distanciamento servissem de exemplo para os outros.

A caridade ativa não faz sentido para um taoísta. Mas ele tem uma boa vontade sem limites para com todos os outros, sejam eles bons ou maus.

O Taoísmo como uma religião popular

Alguns discípulos de Lao-Tse direcionaram o misticismo natural para aspectos mais mágicos. Foram esses elementos de magia que encontraram maior ressonância entre as massas, ao se incorporarem às crendices e feitiçarias de tempos mais antigos. Por exemplo, Lao-Tse acreditava que quando um indivíduo permanece passivo, preserva sua força vital por longo tempo, mantendo-a saudável e pura. Mais tarde, algumas pessoas começaram a interpretar essa idéia como a possibilidade de alcançar uma longevidade cada vez maior, e passaram a se interessar em se tornar imortais. Filósofos taoístas, além de meditar, exercitavam práticas mágicas e tentavam descobrir o elixir da vida eterna. Lado a lado com o taoísmo filosófico, foi se desenvolvendo uma religião popular baseada em Lao-Tse mas que também tinha seus próprios deuses, templos, sacerdotes e monges. Havia rituais complexos, em parte inspirados pela prática budista, com procissões, oferendas de alimentos aos deuses e cerimônias em honra dos vivos e dos mortos.

REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.: 80-82.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Confucionismo: Sua doutrina, vida religiosa e teologia

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma trascrição literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern exceto pelas figuras. Os méritos são dos autores.

Dados Históricos

Até 1911 a China foi uma potência imperial, onde o imperador reinava acima de tudo. O imperador era considerado o representante do país diante do supremo deus Céu. Ao mesmo tempo, era também o filho do Céu na Terra. O próprio imperador realizava o sacrifício ao Céu no Templo do Céu, situado na capital, Pequim. Fazia ainda sacrifícios às montanhas e aos rios sagrados da China.

O Império chinês era uma sociedade hierárquica, com líderes permanentes. A frente da administração havia uma elite de funcionários altamente letrados, os mandarins. Sua ideologia era o confucionismo, um conjunto de pensamentos, regras e rituais sociais desenvolvidos pelo filósofo K'ung-Fu-Tzu (ou, na forma latina, Confucius) cujas doutrinas prevaleceram na China até a queda do imperador. Confúcio também formulou normas para a vida religiosa, para os sacrifícios e os rituais. O confucionismo era, na verdade, uma religião estatal praticada pela elite e pelas classes dominantes, a qual, no entanto, nunca se disseminou muito entre as massas, as camadas mais amplas da população. Da mesma forma que o imperador, em seu palácio em Pequim, ficava remotamente afastado das pessoas comuns, o Céu era remoto e impessoal para a grande massa dos chineses pobres, trabalhadores e camponeses. A religião dos pobres era a adoração dos espíritos, particularmente dos antepassados, religiosidade carregada de magia e traços de outras religiões. As grandes potências da Europa constituíam uma ameaça para a independência econômica e política do país. Isso explica, em parte, a tendência isolacionista e o ceticismo em face dos impulsos vindos do exterior. Os intelectuais atacavam a religião popular, acreditando que esta era um obstáculo para a ciência moderna e o moderno pensamento político. Isso levou alguns a tentarem um reavivamento e uma modernização das antigas religiões, ao passo que outros desenvolveram um interesse maior por idéias não religiosas
vindas do Ocidente.

Em 1911 os incompetentes governantes imperiais foram derrubados e a China se tornou uma república. Porém, as condições políticas se mantiveram instáveis por causa de uma guerra civil e da guerra contra o Japão. Em 1949 os comunistas tomaram o poder.

Confúcio (551-479 a.C.)

Há alguma incerteza quanto às origens de Confúcio, mas é provável que ele tenha nascido numa família aristocrática empobrecida. Recebeu uma boa educação e se tornou um sábio, atraindo muitos discípulos. Algumas de suas interpretações da filosofia antiga e das tradições, em especial quando ele tocava em assuntos relacionados a ética e filosofia social, foram inovadoras. Confúcio acreditava que o Céu o escolhera para revitalizar a cultura e a moralidade estabelecidas pelos sagrados imperadores em tempos antigos. Só que ele não organizou suas ideias em nenhum sistema simples, nem as registrou ele mesmo, motivo por que elas chegaram até nós apenas por meio dos escritos de seus discípulos.

A tradição confuciana

Confúcio teve um efeito decisivo no desenvolvimento da China. Após sua morte, os discípulos começaram a difundir e ampliar suas idéias. O confucionismo acabou se tornando uma espécie de religião estatal da China, chegando muitas vezes a atacar outras religiões, como o budismo e o taoísmo. Foram construídos templos em honra a Confúcio e se ofereciam sacrifícios a ele na primavera e no outono, assim como se ofereciam sacrifícios ao Céu. Apesar disso, deve-se enfatizar que o confucionismo nunca havia sido uma religião independente. Falando-se mais precisamente: o termo abrange uma série de idéias filosóficas e políticas que formavam os pilares do governo e da burocracia da China imperial, muito embora a ética do confucionismo também permeasse amplas camadas da população chinesa. É típica dessa tradição sua visão política pragmática e seu interesse pelas questões sociológicas reais, como a educação dos filhos, o papel do indivíduo na sociedade, as regras corretas de conduta etc. Seu interesse pelas questões religiosas e metafísicas é muito menor.

Atitude social e humana

Uma das idéias fundamentais de Confúcio era que a natureza e o universo estão em harmonia, e que isso deve se aplicar também ao homem. Para esse fim, Confúcio adotou alguns antigos conceitos chineses e os moldou a seus próprios objetivos. O tao é a harmonia predominante no universo; em outras palavras, o relacionamento bom e equilibrado entre todas as coisas. Essa harmonia é um modelo para a sociedade, na qual, da mesma forma, o indivíduo deve tentar viver em compreensão e harmonia. Isso pode ser atingido se seu ser interior estiver em consonância com o tao, pois então ele encontrará o incentivo necessário, o te, ou o caminho certo para a ação.

A fim de alcançar a harmonia com o tao, o homem precisa de conhecimento e compreensão, o que ele pode obter estudando o passado, a tradição. Esta ensina ao indivíduo as regras de comportamento correto, a celebração fiel dos rituais e das cerimônias religiosas, e qual é seu devido lugar na sociedade.

Confúcio via o homem como naturalmente bom e pensava que todo mal brota da falta de conhecimento. A educação, portanto, implica transmitir os conhecimentos corretos.

O lugar do indivíduo na sociedade é regulado por cinco relações: entre senhor e servo, entre pai e filho, entre mais velho e mais jovem, entre homem e mulher, e entre amigo e amigo. Isso significa que o soberano deve ser bom e o servo deve ser leal, uma relação que tornou o confucionismo politicamente conservador e dificultou os desafios à autoridade. Isso significa também que o pai deve ser amoroso e o filho respeitador, uma idéia ligada ao culto dos antepassados. E significa que o homem deve ser justo e a mulher obediente, o que diz bastante sobre o papel da mulher nesse sistema. O ideal para todos os homens e os conceitos mais importantes para Confúcio são: piedade filial, respeito e reverência.

Confúcio e as coisas religiosas

Confúcio não se opunha, de modo nenhum, à religião popular, e não duvidava que os deuses e os espíritos existissem. Acreditava que um ser sobrenatural o inspirava: "O Céu deu à luz a virtude dentro de mim". Só que o Céu para ele não era um Deus pessoal. Ainda que este lhe desse inspiração e direção, Confúcio não fundamentou sua ética em mandamentos morais transmitidos por Deus.

O mais importante para Confúcio era que os deuses deviam ser cultuados adequadamente, que os rituais, os sacrifícios e as cerimônias deviam ser realizados corretamente, pois isso demonstrava a piedade filial da pessoa. Mas ele não estava interessado em assuntos religiosos ou metafísicos. Consta que ele disse: "Mostre respeito pelos deuses, mas mantenha-os à distância". E quando lhe perguntaram sobre a vida após a morte, respondeu: "Quando não se compreende nem sequer a vida, como se pode compreender a morte?". 

REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.: 77-80.

domingo, 21 de agosto de 2011

Igreja Universal do Reino de Deus e a mentira / farsa dos nomes de fiéis no SPC e SERASA

Por Carlos Chagas

Recentemente li um email onde dizia que a Igreja Universal do Reino de Deus iria colocar seus fiéis que estavam em dívida com relação à entrega dos dízimos na lista do SERASA e do SPC. A informação na passa de uma MENTIRA. Todavia achei por demais interessante pela reação que causou em mim. Por que fiquei com raiva e falando diversos palavrões contra os "supostos" envolvidos? 

Após muito pensar cheguei à conclusão: Igreja atual (e não só a Universal) não mais oferece confiabilidade e crédito na mensagem pregada, que deveria ser o Evangelho de Cristo. O que mais se vê atualmente é um tremendo mal testemunho da Igreja Cristã ao mundo. Enquanto isso continuar tais mensagens, que são mentiras já detectadas, serão ainda passadas através dos emails e acreditadas por quaisquer que tiverem contato e estiverem desavisados.

Que a Igreja dos Senhor Jesus fique mais atenta ao seu testemunho e que, pela graça Dele, pare de pensar em dinheiro e pense no próximo!

Segue abaixo o FALSO POST do G17, site de sátira do G1 da Globo e R7 da Record:


Eis a notícia transcrita abaixo:

A Igreja Universal vai enviar para o SPC/SERASA os fieis que estão com o pagamento do dízimo em atraso. A medida tomada pelos bispos com o objetivo de reduzir a inadimplência por parte dos fiéis.

O departamento de finanças e arrecadação da Igreja, não informou a quantidade de inadimplentes, mas estima-se que os maus pagadores estão causando um prejuízo mensal de quase 1 bilhão de reais.

Quem estiver devendo o dízimo e não quiser ter o nome incluso no SPC/SERASA deve entrar em contato com a Universal para renegociar a dívida, podendo parcelar no cartão de crédito o débito, com taxa de juros de 72% ao mês.

Além da inclusão dos devedores no SPC/SERASA, a diretoria financeira pretende também cobrar multa pela rescisão de contrato caso um fiel troque a Universal por outra igreja.

José da Silva Rodrigues Pimenta Pereira, disse que acha justa a medida da Universal, pois vai fazer com que os fieis sejam pontuais com o dinheiro de Deus. “Eu ganho 500 reais, e pago 200 reais pra Universal, nunca atrasei um pagamento, e tem gente que ganha muito mais que eu e atrasa, não acho justo, a Universal tem que tomar uma medida mesmo”, disse José ao repórter de G17.


Mas que fique claro: É mentira!

Para que você não caia em golpes de falsas notícias sempre pesquise em sites confiáveis e de credibilidade. Nunca confie "de cara" em sites particulares e em blogs, uma vez que a notícia nunca passa por critérios rigorosos das análises de veracidade e confiabilidade.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Budismo: Sua doutrina, vida religiosa e teologia - Parte 2/2

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma trascrição literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern exceto pelas figuras. Os méritos são dos autores.

Esta é uma continuação da 1ª Parte (para lê-la clique aqui).

Outras regras mais estritas

Em certos períodos, alguns leigos se submetem a uma disciplina mais estrita. Alguns vão mais longe, seguindo as mesmas regras que se aplicam aos monges e monjas noviços. Nesse caso, as cinco regras passam a incluir, por exemplo, a abstinência sexual (celibato). Além disso, há outras cinco regras:

- Não comer em horas proibidas (por exemplo, após o meio-dia).
- Afastar-se de todos os divertimentos mundanos.
- Abdicar de todos os luxos (como jóias, perfumes etc).
- Não dormir numa cama macia nem larga.
- Não aceitar nem possuir ouro, prata ou dinheiro.

O perfeito meio de subsistência

O quinto estágio do caminho das oito vias é o perfeito meio de subsistência. Significa, entre outras coisas, que se deve escolher um meio de vida que não obrigue à infração das cinco regras de conduta. Embora um budista possa comer carne, não deve ser açougueiro. Embora possa tomar um copo de vinho, não deve ser comerciante de vinhos. Embora sirva ao exército de seu país, não deve ser um negociante de armas.

A melhor de todas as vidas é a do monge, pois ele pode se devotar inteiramente ao caminho das oito vias.

O valor da doação

As cinco regras de conduta estão expressas na forma negativa, mas quando são seguidas, seus aspectos positivos aparecem. O oposto de fazer mal é demonstrar amor e compaixão. O oposto de roubar é dar. Uma das coisas mais positivas que um budista pode fazer é dar presentes. Isso significa sobretudo fazer doações para as sociedades monásticas, que dependem totalmente da caridade dos leigos. Tais presentes elevam o carma da pessoa. Mas dar com a intenção de obter algo em troca não basta. Quanto mais puro o motivo para dar, melhor carma trará.

Buda exortava os que desejavam lhe querer bem a querer bem aos doentes. Muitos mosteiros se empenham em trabalhos humanitários. Os budistas se preocupam especialmente em cuidar dos moribundos. A morte é um momento decisivo em relação ao nascimento; portanto, o objetivo é ter uma boa morte.

A coabitação e o papel das mulheres

O casamento não é sagrado para os budistas, mas apenas um tipo de acordo entre as partes. Por esse motivo os monges não celebram casamentos. No Japão, quando os budistas se casam, procuram um sacerdote xintoísta. O divórcio, embora ainda pouco comum na maioria das culturas budistas, também não é uma questão religiosa.

O marido deve mostrar respeito para com sua mulher, e esta, por sua vez, deve cumprir seus deveres domésticos. Apesar de várias mulheres em países budistas desfrutarem de uma posição elevada, normalmente se considera menos vantajoso renascer como mulher do que como homem.

A vida religiosa

Monges, monjas e leigos

Buda criou uma nova ordem, a sociedade monástica, independente do sistema de castas. Para seguir à risca os ensinamentos do Buda, era necessário deixar para trás todos os cuidados e as preocupações relativas à família e à vida social. Até hoje a ordem monástica constitui a espinha dorsal da vida religiosa na maioria das terras budistas.

Dessa maneira, ao considerar a vida religiosa budista, é importante distinguir entre os monges e as monjas, por um lado, e, por outro, os leigos. Monges e monjas têm regras de conduta muito mais estritas do que os leigos. Em primeiro lugar, há as dez regras, que também se aplicam aos noviços; além disso, há várias centenas de outros mandamentos e in-junções que definem tais regras com mais precisão.

Como já vimos, os monges e as monjas levam uma vida de simplicidade e pobreza. Desde os dias do Buda, costumam obter o pouco de que necessitam para sobreviver pedindo esmolas, o que não é tido, de modo nenhum, como degradante. Pelo contrário: para o leigo, é uma honra dar esmolas aos monges. Em alguns lugares os monges esmolam nas ruas, de porta em porta. Monges vestidos com seu hábito cor de açafrão pedindo comida (em geral arroz) pelas ruas é uma cena comum nos países budistas do Sudeste asiático. Em outras regiões, a tarefa de esmolar adquire uma forma mais organizada; por exemplo, cada casa de família é responsável pela comida do mosteiro em certos dias da semana.

Um mosteiro budista não fica isolado da vida da cidade ou da aldeia. Não são apenas os leigos que têm deveres para com os monges; estes também têm suas responsabilidades para com os leigos. Em determinados dias, instruem os leigos sobre os ensinamentos do Buda. As pessoas comuns podem ainda passar temporadas em retiro num mosteiro, a fim de meditar ou receber instrução especial. Isso costuma acontecer na época das monções. Em países devotamente budistas, como Birmânia e Tailândia, é comum todos os meninos permanecerem algum tempo num mosteiro, aprendendo budismo.

Assim, podemos dizer que os dois grupos — monges e leigos — são interdependentes. Mesmo que um budista não venha a se tornar um monge em sua vida atual, se ele ajudar a sustentar um mosteiro, pode aspirar a ser um monge na próxima encarnação.

O culto

Em tempos antigos o culto religioso consistia inteiramente em venerar as relíquias do Buda ou de outros homens santos. Originalmente as relíquias eram guardadas em pequenos montes de terra (stupas). Aos poucos estas se transformaram naquelas construções características, em forma de sino ou de domo, que hoje chamamos de pagodes.

A partir do século I a.C., tornou-se comum produzir imagens e estátuas do Buda. Elas podem ser vistas por toda parte nos países budistas, tanto nos templos como nos lares. E seja onde for, o budista devoto fará sua confissão — a fórmula tripla do refúgio, também chamada "As Três Jóias":

- Procuro refúgio no Buda.
- Procuro refúgio nos ensinamentos.
- Procuro refúgio na comunidade monástica.

Apesar de os budistas venerarem as imagens do Buda queimando incenso e pondo flores e outras oferendas diante delas, para o budista ortodoxo isso não é propriamente uma adoração formal. Buda foi apenas o guia da humanidade, foi o mestre "glorificado", e como já entrou no nirvana, não pode ver nem recompensar as ações de um budista. Por isso, suas imagens não devem ser adoradas; estão ali para lembrar os ensinamentos do Buda e auxiliar o budista em sua meditação e em sua vida religiosa.

Feriados religiosos

A festa religiosa mais importante para os budistas é o aniversário do nascimento do Buda, comemorado em abril ou maio, na lua cheia. Também se acredita que foi esse o dia da iluminação do Buda e de sua entrada no nirvana. Além dessa data, cada país tem várias festas religiosas, muitas vezes celebradas com peregrinações em massa aos mosteiros ou pagodes mais conhecidos. Para a maioria dos leigos, as festas e outras manifestações devocionais externas desempenham um papel bem mais relevante do que a meditação praticada pelos monges.

Deuses

Buda não negou a existência dos deuses. Como já vimos, foi um deus que o exortou a proclamar sua mensagem para a humanidade. Ele não era um ateu no sentido ocidental. Todavia, acreditava que a existência dos deuses era transitória, assim como a existência humana. Embora eles vivam mais tempo que os seres humanos, em última análise também estão atrelados ao ciclo do renascimento. Ainda não alcançaram a "outra margem" e, portanto, não podem redimir o homem de tal ciclo. Por isso, o papel dos deuses é insignificante na literatura monástica budista.

Não obstante, nos países budistas há uma adoração generalizada de demônios, espíritos e várias outras divindades. Diferentemente do próprio Buda, todos estes são seres vivos e ativos, os quais — se cultuados de modo correto — podem trazer vantagens mundanas. Os templos budistas muitas vezes contêm estátuas de deuses como Vishnu, Indra e Ganesha, mas sempre dispostas de maneira subserviente a Buda.

O budismo tem espaço para um amplo espectro de cultos e sentimentos religiosos. Essa é uma importante razão pela qual o budismo ganhou tão ampla aceitação em toda a Ásia.

A difusão do budismo

Não muito depois da morte do Buda ocorreu uma divergência entre seus discípulos acerca da maneira como os ensinamentos dele deviam ser interpretados. Um século mais tarde (por volta de 380 a.C.) foi realizado um concilio. Como diversos monges expressaram o desejo de moderar a disciplina monástica, o encontro terminou numa divisão entre uma facção conservadora e outra mais liberal.

Na época moderna é costume distinguir entre duas tendências principais: Theravada ("a escola dos antigos"), predominante no Sul da Ásia (Birmânia, Tailândia, Sri Lanka, Laos e Camboja), e Mahayana ("o grande veículo"), predominante no Norte da Ásia (China, Japão, Mongólia, Tibet, Coréia e Vietnã).

Theravada - O caminho da auto-redenção

Como sugere o nome Theravada ("a escola dos antigos"), essa escola acredita representar o budismo em sua forma original. De acordo com os ensinamentos do Buda, enfatiza a salvação individual por meio da meditação. Como não existe nenhum deus para redimir o homem do ciclo dos renascimentos, ela ressalta que o indivíduo deve salvar a si mesmo. Assim, podemos dizer que o budismo Theravada é uma religião de auto-redenção.

Aqui, o Buda é visto como mestre e guia dos seres humanos. Ele não é adorado como um deus, nem pode salvar as pessoas, mas indicou o caminho para a salvação, que pode ser seguido pelo indivíduo.

Na prática, só os monges podem imitar o exemplo do Buda até atingir o nirvana, e mesmo entre eles, muito poucos o alcançam nesta vida. Um monge que pertença a esse pequeno grupo é chamado arhat (venerável). O arhat, como o Buda, já extinguiu seus desejos e venceu o mundo. É um exemplo resplandecente para os leigos e o ideal que todos os budistas perseguem, pois mesmo que um budista não consiga deixar este mundo definitivamente em sua vida atual, ele pode conseguir um bom carma para si mesmo e talvez se tornar um monge numa existência futura.

Podemos dizer que a idéia mais importante do budismo Theravada é que o próprio indivíduo deve assumir responsabilidade por seu desenvolvimento ético e religioso. Não há atalho para a salvação nem para a perfeição ética. Cada pessoa deve começar por si mesma. Isso se aplica aos leigos, bem como aos monges.

Mahayana - O caminho da ajuda mútua

Até agora, baseamos na escola Theravada a representação da vida e dos ensinamentos do Buda, assim como a descrição da vida religiosa budista. A seguir vamos nos afastar dessa abordagem do "budismo comum" e nos concentrar nas características do budismo Mahayana.

Mahayana significa "o grande veículo", ou "a grande nave", e seu nome reflete a crença, predominante no budismo do Norte da Ásia, de que é possível levar todas as pessoas à redenção. O budismo Theravada é chamado de Hinayana, ou seja, "o pequeno veículo", já que leva apenas alguns (os monges) a salvação.

Também na visão que têm de Buda, existem grandes diferenças entre o budismo Mahayana e o budismo Theravada. Enquanto o Theravada considera o Buda apenas um ideal e um raio de salvação, o Mahayana acredita no Buda como o salvador, isso é importante porque implica que os monges não são os únicos que podem ser salvos. Os leigos podem igualmente se devotar ao Buda e, por sua graça, alcançar a redenção.

Os Bodhisattvas

O objetivo do budismo inicial era que o indivíduo atingisse a salvação por seus próprios esforços. O ideal do indivíduo consistia em se tornar um arhat, ou seja, alguém que deixou o mundo para trás e entrou no nirvana. Esse objetivo, porém, era muito estreito para o Mahayana. Interessar-se apenas pela própria salvação é considerado egoísmo. O objetivo deve ser a redenção de todos. Em conseqüência, o ideal religioso do budismo Mahayana é o bodhisattva, o qual, depois de alcançar a iluminação (bodhi) , abdica do nirvana a fim de ajudar outras pessoas a alcançar a salvação. Aqui muitas vezes se ressalta que o próprio Buda abdicou do nirvana imediato por causa da compaixão por seus semelhantes.

Um bodhisattva ("existência iluminada") pode ser qualquer pessoa que resista a se tornar um Buda. No entanto, esse termo se aplica sobretudo a uma longa lista de etéreas figuras de salvador, às quais os seres humanos podem recorrer em busca de ajuda. A única coisa que as distingue de um Buda é que elas não entram no nirvana até que todas as criaturas vivas tenham sido redimidas do renascimento.

Características típicas de um bodhisattva são a compreensão e a compaixão. Hoje em dia é a compaixão do bodhisattva que é mais realçada. A bondade para com as outras criaturas vivas não é considerada simplesmente um ideal, mas o caminho para a iluminação e a redenção.

Com sua doutrina do bodhisattva, o budismo Mahayana se afastou muito dos ensinamentos do budismo Theravada. Assim como o cristão "põe sua vida nas mãos de Deus", o muçulmano "se submete" a Alá e os vaishnavitas "se dedicam" a Vishnu — o budista mahayana pode compartilhar do amor salvador de um divino bodhisattva.

A doutrina do carma e a ilusão do eu

Como já vimos, o budismo Mahayana discorda do Theravada na doutrina de que o homem deve salvar a si mesmo. Isso também implica um rompimento com a doutrina estrita do carma. A idéia de que uma pessoa pode ser salva de seu carma pelos méritos alheios é impensável no budismo do Sul. Porém, o Mahayana tem um conceito próprio de carma: uma vez que há uma relação de dependência recíproca entre todos os seres vivos, não é o carma do indivíduo que é importante.

Nesse ponto, muitos budistas mahayana se referem ao fato de que a experiência do eu, de ser algo separado do mundo ao redor, é simplesmente resultado da cegueira do homem. E apenas os que fizeram pouco progresso rumo à iluminação é que sofrem dessa cegueira. O bodhisattva, por outro lado, já superou a ilusão do eu e não distingue mais entre si mesmo e os outros. Assim, um bodhisattva pode transferir algo de seu bom carma para os que procuram a ajuda dele na luta para atingir o nirvana.

Diversidade religiosa

O hinduísmo e o budismo sempre demonstraram um nível de abertura e tolerância em questões religiosas bem diferente daquele a que estamos acostumados no Ocidente. A diversidade religiosa não é considerada uma fraqueza. Muitos budistas diriam até que o oposto é que é verdade. A força do budismo se revela nos numerosos frutos que ele traz.

O objetivo de todos os budistas é se redimir do ciclo dos renascimentos. A questão consiste em saber que métodos ou recursos devem ser procurados para se atingir esse objetivo. As pessoas são muito diferentes. Os povos asiáticos, em particular, são provenientes de formações culturais bastante variadas. Assim, os métodos utilizados precisam refletir esse fato. Em conseqüência, costuma-se destacar que a experiência é o princípio que deve guiar a escolha dos métodos.

Entre os muitos movimentos dentro do Mahayana, dois atraíram mais interesse nas últimas décadas. São a tendência tibetana Vajrayana (o veículo de diamante) e o zen-budismo japonês. Esses movimentos se destacam do budismo Mahayana de várias maneiras.

Budismo Tibetano

No Tibet, o budismo se incorporou à religião local, denominada Bon. Esta se caracterizava pela crença em deuses e espíritos, que eram cultuados com sacrifícios sangrentos, encenações de mistérios e danças rituais. Vários desses deuses originais continuam sendo cultuados como guardiães dos ensinamentos budistas. Contudo, sob a superfície prevalece a doutrina budista. Os budistas tibetanos acreditam que eles representam a doutrina original, não adulterada.

Algumas características externas mais aparentes do budismo tibetano são as rodas de oração e as bandeiras de oração — objetos que contêm diversas orações e fórmulas escritas. Quando a roda de oração gira — impulsionada ou pela mão de alguém ou pelo vento ou pela correnteza de uma cachoeira — ou a bandeira tremula ao vento, ela põe em movimento "a roda do ensinamento".

O mantra (fórmula mágica ou enunciação sagrada) mais comum no budismo tibetano é Om Manipadme Hum, que significa "Ó tu, que tens a jóia no teu lótus", ou "Seja louvada a jóia no lótus". Essa fórmula é encontrada por toda parte no Tibet: nas rodas de oração, nas paredes, nas rochas e, naturalmente, nos lábios das pessoas. Para aumentar sua eficiência, usa-se um rosário de 108 contas (108 é um número sagrado).



O Lamaísmo

No Tibet o budismo muitas vezes é chamado lamaísmo, do termo lama ("professor" ou "mestre"), nome dado aos líderes espirituais, em geral monges.

Em nenhum outro país do mundo o budismo permeia tão completamente o tecido da sociedade como no Tibet. Grandes parcelas da população se integraram às ordens religiosas de monges e monjas, e os mosteiros sempre tiveram íntimo contato com os leigos. Vários desses mosteiros já abrigaram mais de mil monges e são considerados as maiores instituições monásticas que já existiram.

A originalidade do lamaísmo reside em sua estrutura social. Desde o século XVII o Tibet é governado por um lama principal, ou dalai-lama (oceano de sabedoria), que tem sua sede na capital, Lhassa. O dalai-lama é o líder religioso e político do país. Acredita-se que ele seja a reencarnação de um famoso bodhisattva.

Ao morrer um dalai-lama, os sacerdotes buscam uma criança que tenha sua marca. Quando, depois de vários testes, é encontrada a criança certa, ela é consagrada como o novo dalai-lama.

Budismo tibetano contemporâneo

Em virtude de sua cultura muito distinta e de sua localização inacessível entre as montanhas mais altas do mundo, o Tibet por um longo tempo foi considerado uma espécie de "terra de contos de fada". Porém, em 1959 o conto de fada teve um fim súbito: a China assumiu o controle total do país e o dalai-lama foi obrigado a fugir para a Índia, onde obteve asilo político. Desde essa época, dezenas de milhares de tibetanos se refugiaram na Índia e no Nepal, lugares em que o budismo tibetano continua vivo.

Mosteiros budistas seguindo os padrões tibetanos surgiram na maioria dos países da Europa Ocidental e nas Américas.

Zen-budismo

A maior ambição de todos os budistas é atingir algum dia a iluminação (bodhi), como aconteceu com o Buda debaixo de sua figueira em Bodh Gaya, há 2500 anos. Dentro do budismo, porém, existem consideráveis diferenças de opinião sobre o que essa iluminação implica e como se chega a ela. Dentro da tradição do budismo Mahayana, surgiu na China uma escola especial de meditação que, mais do que qualquer outro movimento, realçava a iluminação como o verdadeiro núcleo do budismo. Esse movimento aos poucos se espalhou para a Coréia e o Japão, e ficou conhecido no Ocidente por seu nome japonês, Zen, que significa "meditação". Como hoje em dia é mais fácil estudar o zen no Japão do que na China, vamos nos concentrar no zen-budismo japonês. No Japão essa vertente budista conta hoje com cerca de 20 mil templos e 5 milhões de adeptos, entre monges e leigos.

"Visão Direta"

O zen-budismo se baseia na iluminação do Buda. Os ensinamentos do Buda, tal como foram passados para os textos budistas, não recebem tanta prioridade. Isso reflete a profunda desconfiança do zen quanto à palavra e sua capacidade de transmitir conhecimento. Não obstante, aquilo que não pode ser transmitido pela palavra pode ser transmitido pela "visão direta". Diz-se que o Buda trouxe a iluminação para seu discípulo mais promissor simplesmente segurando uma flor diante dele, sem nada dizer. Assim, a iluminação vem sendo comunicada de geração em geração pela transmissão não verbal.

Ensina o zen que a iluminação deve vir de dentro, deve ter sua origem no coração do indivíduo. Conta-se que um famoso mestre zen jogou todas as imagens do Buda na lareira a fim de aquecer a sala em que ele e seus discípulos se encontravam.

Os ensinamentos do Buda só podem nos levar até uma parte do caminho. Podem ensinar o rumo certo, mas o importante é vislumbrar aquilo para onde apontam, a iluminação em si. Nós, seres humanos, muitas vezes nos comportamos como crianças; estamos mais interessados no dedo que aponta do que naquilo que ele mostra. É fácil manifestar mais preocupação com as idéias ou os rituais religiosos do que com a experiência religiosa que é objeto dessas idéias e desses rituais. Aqui o método de "apontar diretamente" pode ajudar a obter uma compreensão espontânea da realidade, uma percepção sem restrições, que não precisa de palavras.

Uma vez que a iluminação deve vir de dentro, o zen-budismo não tem nenhuma fórmula fixa para alcançá-la. Mas ela pode chegar quando menos se espera e atingir a pessoa como um raio. É como uma piada que de repente se compreende. De súbito, a pessoa "desperta" — e fica consciente de que faz parte do infinito, de uma maneira inteiramente nova. Isso não vem gradualmente, com o tempo. Quando ela chega de fato, é total. Sua manifestação não está ligada nem mesmo à meditação. Uma experiência mundana qualquer também pode acabar levando, com igual facilidade, ao objetivo desejado.

A "Terapia de choque" Zen-Budista

Alguém já disse que o budismo Theravada busca abrir a porta do nirvana à força, ao passo que o Mahayana quer ficar mexendo a chave até que a porta se abra por vontade própria. Essa descrição talvez seja mais típica do zen-budismo que de outros movimentos mahayanas.

Como vimos, as noções fixas podem ser um obstáculo para a iluminação; portanto, um pré-requisito é a mente se esvaziar de palavras e idéias. O importante no zen é romper com a lógica do discípulo e com seus processos conceituais de pensamento. Desde a era chinesa do zen, a mais antiga, isso sempre foi feito pelos mestres ao apresentar a seus discípulos perguntas e respostas totalmente surpreendentes. A seguinte conversa entre mestre e discípulo serve de exemplo dessa técnica:

DISCÍPULO: Qual é o caminho para a libertação?
MESTRE: Quem está te acorrentando?
DISCÍPULO: Ninguém está me acorrentando.
MESTRE: Então, por que queres ser libertado?

Semelhante a esses diálogos é o uso de charadas que parecem absurdas e sem sentido. O mestre zen pode fazer a seu discípulo perguntas como: "Como era seu rosto antes de você nascer?". Ou: "Que som se produz quando se bate palma com uma só mão?". Ao ponderar esses enigmas, o discípulo zen é levado a experimentar um "sentimento de dúvida" avassalador. E esse "sentimento de dúvida" é vital para a captação direta da realidade.

O zen na vida cotidiana

Uma característica do zen é sua atitude positiva para com as tarefas mundanas. Isso deriva da visão zen sobre o que é a iluminação.

Se se pedisse a um zen-budista que explicasse a iluminação, ele poderia talvez dizer: "O cipreste no jardim!". Ou, se ele realmente estivesse disposto a responder à pergunta em nossos termos, poderia dizer que a iluminação é perceber que não existe iluminação. Como não há nenhuma "verdade" para a qual se deva acordar, e nenhuma "ilusão" da qual se deva acordar, a iluminação é compreender que o mundo é tal qual nós o vemos.

Mas nós estamos agora empregando palavras e conceitos, e assim fazendo, estamos nos distanciando dos ensinamentos do Buda. Talvez devêssemos dizer que não há nenhuma outra maneira de compreender o significado da vida a não ser vivê-la. Em conseqüência, muitos zen-budistas destacam que o trabalho rotineiro pode ser usado como um exercício de meditação. A prática consciente de uma rotina manual pode ser tão favorável para a iluminação quanto a meditação e os rituais religiosos. Por esse motivo, ocupações aparentemente triviais como tomar chá, fazer arranjos de flores e cuidar do jardim passaram a ter grande importância no zen-budismo. No Japão, certos esportes e formas de arte também receberam forte influência do zen: arco e flecha, luta corporal, esgrima, teatro, poesia (haicai), música e pintura.

O reavivamento budista

Em épocas recentes, e em especial desde a última guerra mundial, o budismo passou por um reavivamento, sobretudo entre os budistas com mais treino filosófico. Aspectos importantes desse reavivamento são o trabalho pela unidade do budismo, maior empenho missionário e maior atividade social.

Maior unidade

Diversos concílios mundiais budistas tentaram iniciar uma cooperação budista internacional. Isso inclui um esforço para se obter maior unanimidade de doutrina entre as várias seitas budistas. Os concílios passam a desempenhar, assim, um papel semelhante ao do Conselho Mundial de Igrejas dentro da religião cristã.

Missão

Outro aspecto desse reavivamento budista é a atividade missionária, que começou também no Ocidente. Hoje há milhares de budistas nas Américas e na Europa Ocidental, e várias capitais têm centros missionários. Por outro lado, o budismo perdeu terreno em países da Ásia depois da Segunda Guerra Mundial, sobretudo em razão da ascensão do comunismo.

Atividade social

Houve ainda uma grande mudança no terreno ético. O ideal budista original era trabalhar por sua própria salvação se valendo da meditação, algo que pouco incentiva a atividade social. Mas o budismo também realça a abnegação de si e a caridade, o que tem levado a uma participação ativa nas questões sociais e políticas contemporâneas.

Este texto é continuação de sua 1ª parte. Caso queira ler clique aqui.

REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.: 62-75.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Budismo: Sua doutrina, vida religiosa e teologia - Parte 1/2

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma trascrição literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern exceto pelas figuras. Os méritos são dos autores.

A vida do Buda

O fundador do budismo foi o filho de um rajá, Sidarta Gautama (560-480 a.C.), que viveu no Nordeste da Índia. Sobre sua vida há várias histórias, mais ou menos lendárias, mas os pontos de maior destaque são os seguintes:

O príncipe Sidarta

O príncipe Sidarta cresceu no seio da fortuna e do luxo. O rajá ouvira uma profecia de que seu filho ou se tornaria um poderoso governante ou tomaria o caminho oposto e abandonaria o mundo por completo. Esta última opção aconteceria se lhe fosse permitido testemunhar as carências e o sofrimento do mundo. Para evitar que isso ocorresse, o rajá tentou proteger o filho contra o mundo que ficava além das muralhas do palácio, ao mesmo tempo que o cercava de delícias e diversões. Ainda jovem, Sidarta se casou com sua prima e mantinha também um harém de lindas dançarinas.

A virada

Aos 29 anos Sidarta experimentou algo que haveria de ser o ponto crucial de sua vida. Apesar da proibição do pai, ele se arriscou a sair do palácio e viu, pela primeira vez, um velho, um homem doente e um cadáver em decomposição. Entretanto, depois dessas impressões desanimadoras, avistou um asceta com a expressão radiante de alegria. Percebeu então que uma vida de riqueza e prazer é uma existência vazia e sem sentido. E se perguntou: haverá alguma coisa que transcenda a velhice, a doença e a morte? Sidarta também se sentiu tomado por uma grande compaixão pela humanidade e um chamado para livrá-la do sofrimento. Imerso em pensamentos, voltou ao palácio e na mesma noite renunciou à sua agradável vida de príncipe. Sem se despedir, abandonou esposa e filho, e partiu para uma vida de andarilho.

A iluminação

As narrativas relatam que Sidarta, depois de uma vida de abundância, passou para o extremo oposto: os exercícios ascéticos. Obrigou-se a comer cada vez menos, até que finalmente, segundo a lenda, conseguia sobreviver com um único grão de arroz por dia. Dessa maneira ele esperava dominar o sofrimento; mas nem os exercícios de ascetismo nem a ioga lhe deram o que procurava. Assim, ele adotou o "caminho do meio", buscando a salvação por meio da meditação. E, aos 35 anos, após seis anos de vida ascética, alcançou a iluminação (bodhi), enquanto estava sentado em meditação sob uma figueira, à margem de um afluente do rio Ganges. Sidarta agora se transformara num buda, ou seja, um "iluminado": alcançou a percepção de que todo o sofrimento do mundo é causado pelo desejo. É apenas suprimindo o desejo que podemos escapar de outras encarnações.

Durante sete dias e sete noites o Buda ficou sentado debaixo de sua árvore da iluminação. Ganhou dessa forma a compreensão de uma realidade que não é transitória, uma realidade absoluta acima do tempo e do espaço. No budismo isso se chama nirvana. Ao dominar seu desejo de viver, que antes o atava à existência, o Buda parou de produzir carma e, portanto, não estava mais sujeito à lei do renascimento. Conseguira alcançar a salvação para si mesmo, e o caminho estava aberto para abandonar o mundo e entrar no nirvana final. O deus Brahma, porém, instou com ele para que difundisse seus ensinamentos. E então, mais uma vez, o Buda sentiu compaixão pelos outros seres humanos e por todos os seres vivos. Ele "contemplou o mundo com um olhar de Buda" e decidiu "abrir o portão da eternidade" para aqueles que o quisessem ouvir. O Buda decidira se tornar um guia dos seres humanos.

Buda e seus discípulos

Buda seguiu então para Benares, que já naquela época era um centro religioso. Ali deu sua primeira palestra — o famoso sermão de Benares, que contém os elementos mais importantes de seus ensinamentos. As "rodas da instrução" tinham sido postas em movimento.

Diversos monges mendigos seguiam Buda, e durante mais de quarenta anos ele e seus discípulos vagaram pela região nordeste da Índia.

Desde o início os seguidores de Buda se dividiram em dois grupos, os leigos e os monges, cada um com seus próprios deveres.

Quando Buda tinha por volta de 80 anos, de repente adoeceu e decidiu se despedir dos discípulos. Antes de morrer, voltou-se para o triste rebanho dos discípulos a seu redor e disse: "Talvez alguns de vós estejam pensando: 'As palavras do mestre pertencem ao passado, não temos mais mestre'. Mas não é assim que deveis ver as coisas. O darma (instrução) que vos dei deve ser o vosso mestre depois que eu partir".

Os ensinamentos de Buda

A lei do carma

O budismo cresceu dentro do hinduísmo como um caminho individual para a salvação. As duas religiões têm muitos conceitos em comum: as doutrinas do renascimento, do carma e da salvação.

Para Buda, um ponto de partida óbvio é que o ser humano é escravizado por uma série de renascimentos. Como todas as ações têm conseqüências, o princípio propulsor por trás do ciclo nascimento-morte-renascimento são os pensamentos do homem, suas palavras e seus atos (carma).

Também nós podemos passar pela experiência de ver que certas coisas que pensamos ou fizemos em determinada época da vida nos afetaram mais tarde. Podemos sentir que nosso passado nos alcançou. É essa mesma idéia que percorre o hinduísmo e o budismo. A diferença é que os orientais vêem essa relação como algo estritamente regulado — e que se estende de uma vida a outra. O tipo de vida em que o indivíduo vai renascer depende de suas ações em vidas anteriores. O homem colhe aquilo que plantou. Não existe "destino cego" nem "divina providência". O resultado flui automaticamente das ações. Portanto, é tão impossível fugir de seu carma quanto escapar de sua própria sombra. Enquanto o ser humano tiver um carma, ele está fadado a renascer.

Embora se possa dizer que a lei do carma possui um certo grau de justiça, ela é vista, no hinduísmo e no budismo, como algo um tanto negativo, algo de que se deve escapar. Assim, a salvação consiste em ser libertado do círculo vicioso dos renascimentos. A eterna série de reencarnações costuma ser comparada a um rio que separa o homem do nirvana. O objetivo do budismo, comum com os outros caminhos indianos para a salvação, é encontrar a "passagem" por onde se pode atravessar para a outra margem.

Visão da humanidade

Num aspecto importante, porém, os ensinamentos de Buda são diferentes do consenso indiano em geral. O hinduísmo acredita que o homem tem uma alma individual eterna (atmã), a qual sobrevive de uma existência para outra. Assim como uma pessoa descarta suas roupas velhas e gastas, a alma vai se revestindo de outros corpos, sempre renovados. É a alma do homem — seu eu mais íntimo — que está acorrentada à reencarnação. A alma do homem também é considerada idêntica, total ou parcialmente, ao espírito universal (Brahman).

Buda rompe radicalmente com essa doutrina ao negar que o ser humano tenha alma e ao rejeitar a existência de um espírito universal. De acordo com o budismo, a alma é tão fugaz como tudo o mais neste mundo. O fato de um homem achar que é um "eu", ou uma alma, baseia-se na ignorância, e essa ignorância tem conseqüências graves, uma vez que promove o desejo, e é o desejo que cria o carma do indivíduo.

O budismo vê a vida humana como uma série ininterrupta de processos mentais e físicos que alteram o homem de momento a momento. O bebê não é a mesma pessoa que o adulto, e o adulto não é a mesma pessoa que era ontem. E como as imagens numa tela de cinema: movem-se muito depressa e não conseguimos perceber que o filme é "artificial", que não é algo "vivo". Na realidade, o filme é a soma das imagens individuais — ou de uma série de instantes.

"De nada mais posso dizer: 'Isto é meu'", ensinava Buda, "e de nada posso dizer: 'Isto sou eu.'" Ambas as coisas são ilusões. Não há um núcleo imutável da personalidade, não existe um "eu", um ego. Tudo é constituído de fatores existenciais impessoais que formam combinações fadadas a decair. Tudo é transitório.

As quatro nobres verdades sobre o sofrimento

Depois de experimentar sua iluminação debaixo da figueira, Buda fez o sermão de Benares, em que apresentou as quatro nobres verdades sobre o sofrimento. Elas demonstram que tudo é sofrimento; que a causa do sofrimento é o desejo; que o sofrimento cessa quando o desejo cessa; e que isso se consegue seguindo o caminho das oito vias. Em outras palavras: Buda faz primeiro um diagnóstico, mostrando que a condição do homem é de doença (primeira nobre verdade). Ele então indica a causa da doença (segunda nobre verdade). Afirma, no entanto, que a doença é curável (terceira nobre verdade), e por fim dá uma descrição detalhada de como a doença deve ser tratada, receitando uma cura de oito pontos (quarta nobre verdade). Assim, Buda assume o papel de médico; é por isso que os textos budistas o chamam de "o grande médico".

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A primeira nobre verdade determina que tudo no mundo é sofrimento. "Nascer é sofrer, envelhecer é sofrer, morrer é sofrer, estar unido com aquilo de que não gostamos é sofrer, separarmo-nos daquilo que amamos é sofrer, não conseguir o que queremos é sofrer." Em termos budistas o sofrimento implica algo mais do que mero desconforto físico e psicológico. Pode-se dizer que a existência como um todo é manchada pelo sofrimento, pois tudo é passageiro. A pessoa que não consegue perceber que o mundo, do ponto de vista do ser humano, é inadequado, é uma pessoa cega. Mas isso não significa que o budismo negue toda felicidade material e mental. Ele reconhece que existe alegria tanto na família como no mosteiro. Todavia, tudo aquilo que amamos e a que nos apegamos simplesmente não vai durar.

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Na segunda nobre verdade, Buda afirma que o sofrimento é causado pelo desejo do ser humano. O desejo implica sobretudo desejar com os sentidos, a sede de prazeres físicos. Como essa ânsia nunca pode ser plenamente saciada, ela sempre irá acarretar um sentimento de desprazer. Até mesmo o desejo de sobrevivência do ser humano contribui para manter o sofrimento. Enquanto ele se apegar à vida — e continuar acreditando que tem uma alma —, irá perceber o mundo como sofrimento. O budismo também rejeita o extremo oposto. O desejo de anulação — ou desejo de morrer — igualmente amarra o ser humano à existência. Em primeiro lugar, um tal desejo pressupõe que o ser humano tem uma alma que pode ser eliminada; em segundo, não leva em consideração o carma, que impõe o renascimento. Tirar a própria vida não resolve nada no budismo. Isso não irá libertar a pessoa do eterno ciclo.

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A terceira nobre verdade é que o sofrimento pode ser levado ao fim. Isso acontece quando o desejo cessa. E quando o desejo cessa, começa o nirvana. Um pré-requisito necessário para suprimir o desejo é que a ignorância do homem deve ser enfrentada, pois ela é a causadora do desejo. Assim, só o homem que não enxerga sente desejo. A ignorância leva ao desejo, o desejo leva à atividade, a atividade traz consigo o renascimento, e o renascimento origina mais ignorância. Aqui se descreve um círculo vicioso, e para que este círculo vicioso — ou "corrente da causalidade" — seja rompido, o homem deve atacar a raiz do problema: sua própria ignorância.

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A quarta nobre verdade afirma que o homem pode ser libertado do sofrimento — e do renascimento — seguindo o caminho das oito vias.

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O caminho das oito vias

Com base em sua própria experiência, Buda acreditava que o homem deve evitar os extremos da vida. Não se deve viver nem no prazer extravagante, nem na autonegação exagerada. Ambos os extremos acorrentam o homem ao mundo e, assim, à "roda da vida". O caminho para dar fim ao sofrimento é o "caminho do meio", e Buda o descreveu em oito partes: (1) perfeita compreensão; (2) perfeita aspiração; (3) perfeita fala; (4) perfeita conduta; (5) perfeito meio de subsistência; (6) perfeito esforço; (7) perfeita atenção, e (8) perfeita contemplação.

Perfeita compreensão e perfeita aspiração. É a ignorância do homem que põe a roda da vida em movimento. Portanto, o homem deve construir sua compreensão sobre como o mundo funciona. Isso significa, entre outras coisas, compreender as verdades acerca do sofrimento e o ensinamento de Buda de que o homem não tem alma. Em seguida, o homem deve se dedicar a lutar contra o desejo, que é a raiz do sofrimento. Deve também evitar o ódio e a luxúria, ambos causados pela crença equivocada num "eu" distinto e separado do ambiente em torno. Por último, o homem deve olhar para o Buda como um ideal.

Perfeita fala, perfeita conduta, perfeito meio de subsistência. Esses pontos estabelecem a ética do budismo, seu código moral. Perfeita fala significa que o homem deve se abster de contar mentiras, fazer intrigas e ter conversas vazias, e que deve falar com seus semelhantes de um modo verdadeiro, amigável e carinhoso. Para o budista, ficar em silêncio também está incluído na fala perfeita. Perfeita conduta significa seguir os cinco mandamentos que se aplicam a todos os budistas: não matar nenhum ser vivo, não roubar, não ser sexualmente promíscuo, não mentir e não tomar estimulantes. Mais tarde, foram acrescentados outros mandamentos enunciados na forma positiva. Diversos textos budistas ressaltam a utilidade de dar presentes e realizar serviços para os outros. Estudar a doutrina e disseminá-la também faz parte da perfeita conduta. Um aspecto do perfeito meio de subsistência é que se deve escolher um trabalho que não contrarie os cinco mandamentos. Por exemplo, um açougueiro, um comerciante de vinhos, um fabricante de armas ou um soldado profissional teriam de encontrar uma profissão alternativa se quisessem permanecer budistas.

Perfeito esforço, perfeita atenção e perfeita contemplação. Esses três pontos finais se relacionam com a maneira como o ser humano pode melhorar a si mesmo e purificar sua mente. Perfeito esforço significa que o budista não deve deixar que pensamentos ou estados de espírito destrutivos intervenham; e se já estão presentes, deve tentar expulsá-los antes que tenham efeitos palpáveis. Perfeita atenção é um precursor do último item. A autocontemplação é o meio pelo qual o budista alcança pleno controle sobre o corpo e a mente. Uma vez conseguido isso, ele está pronto para iniciar a meditação propriamente dita.

O budismo tem uma doutrina abrangente sobre os vários níveis e estágios da meditação. Durante a meditação, todos os músculos se relaxam, possivelmente também pelo fato de o praticante sentar numa posição especial de ioga. Toda a concentração deve focalizar uma só coisa. Esta pode ser um objeto, uma palavra ou a própria respiração. A psicologia budista hoje ensina que a mente humana se compõe de duas partes: uma superficial, que é excitada pelos sentidos, e as profundezas da mente, que são tranqüilas e imóveis. O objetivo da meditação é acalmar a superfície perturbada. Quando isso acontece, o budista perde todo sentido do tempo e do espaço, e todas as ilusões sobre "eu" e "meu" desaparecem. É nesse ponto que ele pode ter esperança de alcançar a plena iluminação (bodhi), na qual atinge uma compreensão perfeita das "quatro nobres verdades", deixando de enganar a si mesmo sobre a existência e se libertando da lei do carma. O budista agora se tornou um arhat (isto é, "venerável"), o que significa que não irá mais renascer. E quando morrer, atingirá o eterno nirvana.

Nirvana

Qual foi a verdade que Buda alcançou debaixo de sua figueira? Suas idéias fundamentais eram profundamente pessimistas, como já vimos. Tudo o que existe no mundo é (a) sem autonomia, (b) transitório, e, em conseqüência, (c) pleno de sofrimento. Assim, ele não via esperança enquanto o homem estivesse preso nesse ciclo. Contudo, existe algo eterno, algo fora do sofrimento. O budista chama a isso de nirvana. Essa palavra significa, na verdade, "apagar", uma referência ao fato de que o desejo "se extingue" quando se atinge o nirvana. A imagem representa o desejo como uma chama que se apaga quando o combustível termina — o combustível é a luxúria humana, o ódio e a ilusão.

As descrições do nirvana em textos budistas costumam ser expressas em termos negativos. Uma vez que o nirvana é o oposto direto do ciclo do renascimento, uma vez que ele não pode ser comparado a nada em nossa vida diária, só é possível dizer o que o nirvana não é. Poderíamos talvez descrever o nirvana como uma quinta dimensão, divorciada de nossa existência quadridimensional. Poucos textos budistas, porém, descrevem o nirvana em termos positivos.

Uma condição para alcançar o nirvana é que o budista encontre a iluminação (bodhi) , exatamente como ocorreu com o Buda debaixo de sua figueira. Logo, as boas obras por si sós não bastam para o nirvana. Entretanto, um estilo de vida irreprochável pode levar a bons renascimentos, que mais tarde poderão possibilitar o encontro da iluminação. Buda, segundo se conta, nasceu 547 vezes antes de finalmente chegar lá.

Um estado em que todo o carma já foi esgotado e a lei do renascimento foi rompida — é isso que o nirvana descreve. Assim, o nirvana é uma condição que se pode experimentar aqui e agora. Pode ser tão intensa queo budista sente que ela está queimando o mundo inteiro. E quando ele enfim volta para o mundo, tudo o que encontra são cinzas frias.

O nirvana final, que a pessoa atinge quando morre, é irreversível. Por vezes ele é designado no budismo por um termo especial, parinirvana, isto é, "extinção absoluta", ou "extinção última".

Ética

Quando o Buda alcançou a iluminação depois de sua meditação, o deus Brahma foi até ele e lhe pediu que levasse seus ensinamentos para outras pessoas. E mais uma vez Buda sentiu compaixão pelos seres humanos e por todos os outros seres vivos. "Contemplou o mundo com olhar de Buda" e decidiu "abrir o portão da eternidade" para os que quisessem ouvir. Buda decidiu se tornar guia do ser humano.

Essa atitude serve de exemplo para outros budistas, pois a vida de Buda é um ideal que os exorta a se comportar eticamente. A compaixão e o amor são centrais na ética budista. Não só as ações, mas também os sentimentos e afetos são importantes. A caridade que fazemos não apenas afeta os outros, mas contribui para enobrecer nosso próprio caráter.

Os cinco mandamentos

Para a vida diária o budismo tem cinco regras de conduta:

1. Não fazer mal a nenhuma criatura viva.
2. Não tomar aquilo que não lhe foi dado (não roubar).
3. Não se comportar de modo irresponsável nos prazeres
sensuais.
4. Não falar falsidades.
5. Não se entorpecer com álcool ou drogas.

Essas regras de conduta costumam ser chamadas de cinco mandamentos, porém o budismo não reconhece nenhum ser superior capaz de dar ordens à humanidade sobre como viver. Assim, as regras não dizem "farás isso" ou "não farás aquilo". Elas são formuladas da seguinte maneira: "Tentarei ensinar a mim mesmo a não fazer mal a nenhuma criatura viva".

1. Não fazer mal a nenhuma criatura viva

Esta é considerada a mais importante das cinco virtudes. Nem um outro ser humano nem os animais devem ser prejudicados.

O ser humano é o mais importante, já que é superior aos animais. Os budistas consideram o pacifismo um ideal, embora nem todos os budistas sejam pacifistas. Também os países budistas já travaram guerras, e muitas pessoas acreditam que essa regra pode ser quebrada quando se trata de autodefesa. Entretanto, um texto budista afirma que o soldado profissional que morrer em batalha renascerá no inferno ou então como animal.

Para o budista, a vida começa na concepção; desse modo, o aborto infringe essa primeira regra. Só que os métodos anticoncepcionais normalmente são permitidos.

O suicídio também é uma violação da regra, mas não se a pessoa sacrificou sua vida por outra vida. Durante a Guerra do Vietnã, vários monges budistas atearam fogo às próprias vestes para despertar a consciência internacional.

Não há um vegetarianismo coerente no budismo, ainda que muitos monges excluam a carne de sua dieta. Supõe-se que Buda também concordou que se comesse carne, desde que a pessoa estivesse certa de que o animal não fora morto especialmente para ela. Matar uma mosca com um tapa é pior. Como vemos, o motivo e a intenção são relevantes.

2. Não tomar aquilo que não lhe foi dado

Isso não se refere simplesmente ao roubo, mas também à trapaça de todos os tipos. Podemos considerar que é uma regra acerca da correção nos negócios e da ética no trabalho.

3. Não se comportar de modo irresponsável nos prazeres sensuais

Essa regra se refere às atividades sexuais que podem prejudicar os outros: estupro, incesto e adultério. A atitude para com o adultério varia segundo os costumes locais. O budismo não abrange apenas sociedades monogâmicas, mas também culturas cuja tradição engloba a poligamia e a poliandria. Já o homossexualismo é sempre considerado uma quebra dessa regra.

Essas três primeiras regras se relacionam às atividades humanas e se incluem no item "perfeita conduta" do caminho das oito vias. O item "perfeita fala" abrange a próxima regra.

4. Não falar falsidades

A verdade é extremamente importante no budismo, mas essa regra não trata apenas da mentira. Ela também alerta contra as respostas maldosas, a fofoca, a ira e as conversas fúteis. O homem deve falar com seus semelhantes de modo verdadeiro, amigável e devotado. Até mesmo ficar em silêncio faz parte da perfeita fala.

5. Não se entorpecer com álcool ou drogas

Ficar entorpecido ou embriagado implica não poder se concentrar nas regras que devem ser seguidas. O budismo não é tão rigoroso contra o álcool quanto o islã. 

REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.: 52-62.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Hinduísmo: Sua doutrina, vida religiosa e teologia

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma trascrição literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern exceto pelas figuras. Os méritos são dos autores.

O que é Hinduísmo?

Diferentemente das outras religiões mundiais (budismo, cristianismo e islã), o hinduísmo não tem fundador, nem credo fixo nem organização de espécie alguma. Projeta-se como a "religião eterna" e se caracteriza por sua imensa diversidade e pela capacidade excepcional que vem demonstrando através da história de abranger novos modos de pensamento e expressão religiosa.

A palavra hinduísta significa simplesmente "indiano" (da mesma raiz do rio Indo), e talvez a melhor maneira de definir o hinduísmo seja dizer que é o nome das várias formas de religião que se desenvolveram na Índia depois que os indo-europeus abriram caminho para a Índia do Norte, de 3 a 4 mil anos atrás. O cristianismo e o judaísmo também têm uma história que se estende por milhares de anos, mas o peculiar no hinduísmo é que todos os seus estágios históricos são visíveis simultaneamente. Apesar de sua complexidade, ainda se pode experimentar o hinduísmo como um todo. Assim, ele já foi comparado a uma floresta tropical, onde várias camadas de animais e de plantas se desenvolvem num grande meio ambiente.

A religião védica

As raízes do hinduísmo podem ser encontradas em algum ponto entre o ano 1500 a.C. e o ano 200 a.C., quando os chamados arianos (isto é, os "nobres") começaram a subjugar o vale do Indo. As crenças dessas pessoas tinham ligação com outras religiões indo-européias, como a grega, a romana e a germânica. Sabemos disso pelos chamados hinos védicos (da palavra Veda, ou seja, "conhecimento"), que eram recitados por sacerdotes durante os sacrifícios a seus muitos deuses. O Livro dos Vedas consiste em quatro coletâneas, das quais certas partes datam de cerca de 1500 a.C.
O sacrifício era importante para o culto ariano. Faziam-se oferendas aos deuses a fim de conquistar seus favores e manter sob controle as forças do caos.

Achados arqueológicos no vale do Indo indicam que houve uma civilização avançada na Índia,anterior à chegada dos indo-europeus, e é certo que essa civilização também contribuiu para o hinduísmo moderno. A época conhecida como período védico tardio, de 1000 a.C. até 500 a.C., marcou uma virada crucial no desenvolvimento religioso da Índia. Importância especial tiveram os Upanishads, que até hoje são os textos hinduístas mais lidos. Foram escritos sob a forma de conversas entre mestre e discípulo, e introduzem a noção de Brahman, a força espiritual essencial em que se baseia todo o universo. Todos os seres vivos nascem do Brahman, vivem no Brahman e ao morrer retornam ao Brahman.

As castas, as vacas e o carma

O hinduísmo moderno compreende uma grande variedade de idéias e formas de culto. Será que os hinduístas têm alguma coisa em comum? Sim. Uma boa definição seria: as castas, as vacas e o carma.

  • O sistema de castas
Todas as sociedades têm várias formas de distinção e estratificação em classes, mas é difícil encontrar um país onde isso tenha sido praticado tão sistematicamente quanto na Índia. Desde os tempos antigos sempre houve quatro classes sociais (a palavra sânscrita empregada évarna, que significa "cor"):

* Sacerdotes (brâmanes);
* Guerreiros;
* Agricultores, comerciantes e artesãos, e
* Servos.

Porém, à medida que a sociedade indiana se desenvolveu, as pessoas foram sendo divididas em novas
castas. No início do século XX havia em torno de 3 mil castas.

Não se sabe como surgiu o sistema de castas, e não há prova definitiva de que se trata de uma evolução do sistema de quatro classes. Seria mais verdadeiro dizer que esse sistema de classes se ajusta bem às castas.

A palavra inglesa caste vem do português casta (feminino de casto, "puro"); o termo usado na Índia é jati, que significa "nascimento" ou "tipo". As castas em geral se associam a profissões especiais. Uma aldeia indiana pode conter de vinte a trinta dessas castas, e com freqüência cada uma ocupa um agrupamento especial de casas. Cada casta tem suas próprias regras de conduta e de prática religiosa, que determinam com quem a pessoa pode se casar, o que ela pode comer, com quem pode se associar e que tipo de trabalho pode realizar. A base religiosa desse sistema é a noção de pureza e impureza. O contraste entre o que é "limpo" e o que é "impuro" permeia todo o hinduísmo. Para um brâmane, tudo o que tenha a ver com as coisas corporais ou materiais é impuro. Se ele se tornou impuro como resultado do nascimento, da morte ou do sexo - ou por meio do contato com um indivíduo "sem casta", ou membro de uma casta inferior -, há diversas maneiras pelas quais ele pode se purificar. O método tradicional mais conhecido de purificação utiliza a água de um dos muitos rios sagrados da Índia, como o Ganges.

As regras que governam a pureza formam a base da divisão de trabalho na comunidade. Certas atividades e certos trabalhos são tão impuros que somente determinadas castas podem realizá-los. Essas castas têm o dever de ajudar os outros grupos a manter sua pureza. Por outro lado, apenas as castas que preencham os requisitos da pureza podem se aproximar dos deuses mais elevados. Para que isso ocorra com mais facilidade, outras pessoas devem ser impuras. Entretanto, todos se beneficiam da limpeza dos "puros", pois todos os hinduístas tiram proveito dos ritos que são praticados.

O sistema de castas deu um contexto à vida do indiano, assim como fez a tribo para o africano. Ser expulso de sua casta é o pior castigo imaginável, e só é usado para os crimes particularmente sérios. O nível mais baixo no sistema de castas é o dos "intocáveis" ou "sem casta" (também chamados "párias"); por exemplo, os criminosos, os lixeiros e os que trabalham curtindo o couro dos animais. Os cristãos e os muçulmanos ficam totalmente fora do sistema de castas.

As complexas regras que controlam o contato social entre as castas eram muito rígidas; mas a Constituição indiana, que entrou em vigor em 1947, introduziu certas medidas para banir a discriminação por casta. Como não basta mudar a legislação para acabar com antigas divisões sociais e religiosas, o sistema de castas continua tendo um papel importante, em especial nas aldeias.
  • A vaca sagrada
A vaca é um animal sagrado na Índia e é adorada durante certas festas religiosas. Isso provavelmente se relaciona com um antigo culto de fertilidade; nos Vedas há hinos à vaca, pois ela supre tudo o que é necessário para sustentar a vida. A vaca se tornou um símbolo da vida, e não é permitido matá-la. Muitos ocidentais têm uma visão bastante negativa desse fato. Segundo eles, as vacas deveriam ser mortas para fornecer alimento à legião de famintos da Índia. Entretanto, considerando o lugar que a vaca ocupa na agricultura indiana, vemos também aspectos positivos: 70% da população vive do cultivo da terra, e há uma grande falta de animais de tração num país em que o trator é pouco difundido. Além disso, o excremento das vacas é útil não só como fertilizante mas também como combustível.

Em termos de culto, a vaca é mais "pura" do que o brâmane. Assim, a pessoa que toca uma vaca está ritualmente limpa. Todos os produtos derivados da vaca - o leite e a manteiga - são utilizados em diversas cerimônias de purificação. Até mesmo o excremento e a urina da vaca são tão sagrados que podem ser usados como agentes de purificação.

Os hinduístas têm outros animais sagrados além da vaca, em especial o macaco, o crocodilo e a cobra. De modo geral, eles não gostam de tirar a vida. Isso transformou muitos hinduístas em vegetarianos e também abriu caminho para o ideal da não-violência, que ficou mais conhecido no Ocidente com a luta de Gandhi para tornar a Índia independente do colonialismo britânico.

  • Carma e reencarnação

Um conceito-chave na filosofia dos Upanishads é que o homem tem uma alma imortal. "Ela não envelhece quando você envelhece, ela não morre quando você morre."

Um hinduísta acredita que, depois da morte de um indivíduo, sua alma renasce numa nova criatura vivente. Pode renascer numa casta mais alta ou mais baixa, ou pode passar a habitar um animal.

Há uma ordem inexorável nesse ciclo que vai de uma existência a outra. O impulso por trás dela, ou que a mantém sempre em movimento, é o karma do homem, palavra sânscrita que significa "ato". Porém, nesse caso, ato se refere a pensamentos, palavras e sentimentos, não apenas a ações físicas.

A idéia de que todas as ações têm conseqüências - e de que essas conseqüências podem aparecer depois da morte - não é, de modo algum, peculiar ao hinduísmo. Aqui, a originalidade está no conceito de que todas as ações de uma vida, e somente elas, formam a base para a próxima. Assim, o carma não é uma punição pelas más ações ou uma recompensa pelas boas. O carma é uma constante impessoal - como uma lei natural.

O hinduísmo não reconhece nenhum "destino cego" nem divina providência. A responsabilidade pela vida do hinduísta no dia de hoje - e por sua próxima encarnação - será sempre dele. O homem colhe aquilo que semeou. Os resultados das ações - ou frutos de uma vida - derivam dessas ações automaticamente. Poderíamos dizer que a transmigração está sujeita à lei da causa e efeito.
Em outras palavras, o que a pessoa experimenta nesta vida em termos de riqueza ou pobreza, alegria ou tristeza, saúde ou doença, é resultado de suas ações numa vida anterior. É desse modo que os hinduístas explicam as diferenças entre as pessoas. A doutrina do carma dá sustentação a um esquema de relações sociais como o sistema de castas.

Embora a pessoa deva se submeter ao carma que herdou de uma vida anterior, ela também exerce o livre-arbítrio no âmbito de sua existência atual. Portanto, o indivíduo sempre pode melhorar seu carma, e assim lançar as fundações para uma vida melhor na próxima encarnação.

Três vias de salvação

Durante o período védico, a doutrina do carma e a da reencarnação eram vistas como algo positivo. Por meio dos sacrifícios e das boas ações, o indivíduo podia garantir que iria viver várias vidas. Mais tarde, o hinduísmo passou a considerar esse ciclo como algo negativo, como um círculo vicioso a ser quebrado.

O hinduísmo não possui uma doutrina clara e não ambígua sobre a salvação que explique de que modo o homem pode escapar do interminável e cansativo ciclo das reencarnações. Dentro do hinduísmo há uma grande quantidade de movimentos e seitas com visões divergentes.

Apesar disso, é possível distinguir três caminhos diferentes para a graça, que exerceram papel relevante na história da Índia - e continuam prevalecendo no hinduísmo moderno. São as Vias do sacrifício, do conhecimento e da devoção.

É importante não pensar que essas vias sejam movimentos religiosos organizados. Trata-se, na verdade, de três tendências principais dentro do hinduísmo. O caminho escolhido pode depender do indivíduo. Mas um hinduísta também pode se inspirar nessas três vias.

A via do sacrifício

Como já vimos, a palavra indiana para "ato" é karma. Hoje ela é usada para denotar todos os atos humanos - ou o resultado coletivo desses atos. No período védico, o termo se referia basicamente a atos religiosos ou rituais, em especial aos atos sacrificiais. Estes eram necessários para incrementar a fertilidade e manter a ordem universal. Esse antigo costume sacrificial, minuciosamente descrito nos Vedas, continua a desempenhar um papel capital no hinduísmo. Fazendo sacrifícios e boas ações, muitos hinduístas tentam obter a felicidade terrena, boa saúde, riqueza e copiosa descendência. Em última análise, o objetivo permanece o mesmo de outras correntes do hinduísmo: libertar-se do círculo vicioso da transmigração do espírito.

A via da compreensão ou do conhecimento

Segundo uma idéia central dos Upanishads, é a ignorância do homem que o amarra ao ciclo da reencarnação. Compreender a verdadeira natureza da existência - o oposto da ignorância - será, portanto, um caminho para a salvação. É apenas quando o homem adquire o reto conhecimento que ele é redimido da implacável roda da transmigração.

O conhecimento que traz a salvação é o de que a alma humana (atmã) e o mundo espiritual (Brahman) são uma coisa só. O atmã é uma parte integrante não só dos seres humanos, mas também se encontra nas plantas e nos animais. Isso é conhecido como panteísmo.

O Brahman é o princípio construtivo do universo, uma força que permeia tudo, uma divindade impessoal. Todas as almas individuais são reflexos dessa única alma universal. E como a lua, que se reflete em muitos lagos. Pode haver um número infinito desses reflexos, mas existe uma só lua.

O homem é libertado da transmigração ao adquirir plena compreensão da unidade entre atmã e Brahman. O objetivo é se dissolver no Brahman, assim como uma gota de chuva se dissolve no mar. O homem tem uma centelha divina em seu interior. E mesmo que ele seja obliterado como indivíduo, sua origem divina permanece e vai se unir novamente com o espírito universal.

A via da devoção

Uma terceira rota para a salvação, proposta que começou a se difundir no Sul da Índia por volta de 600 a.C. e logo se espalhou por todo o subcontinente, é a via da devoção. Já no século III a.C. esse caminho para a graça encontrara sua expressão clássica no Bhagavad Gita, um poema catequético. Essa terceira tendência do hinduísmo é a que predomina na Índia moderna, e o Bhagavad Gita é o livro sagrado que ocupa o lugar supremo na consciência do indiano médio. 

Todas as três vias de salvação se baseiam na doutrina do carma. A via do sacrifício realça o fato de que o homem pode encontrar a salvação agindo de maneira correta ritualmente. As tendências filosóficas com freqüência representam o ponto de vista oposto. Com a ajuda da ascese ou da contemplação, as pessoas procuram suprimir todo carma pessoal - a fim de abandonar o ciclo de uma vez por todas. Sem rejeitar esses caminhos tradicionais para a salvação, o Bhagavad Gita aponta um caminho melhor e mais fácil. Se um homem se dedica a Deus e age desinteressadamente , isto é, sem pensar em ganhos e vantagens, ele será, pela graça de Deus, libertado da transmigração.

O Bhagavad Gita abre o caminho para uma associação mais pessoal com Deus do que os Vedas ou os Upanishads. Ela se caracteriza pelo amor e a devoção (bhakti) do homem para com Deus, num relacionamento eu-tu. Isso não significa que o Bhagavad Gita rejeite o sacrifício ou o conhecimento religioso. Muito pelo contrário - tanto o "sacrifício material" como o "sacrifício da compreensão" são vistos sob uma luz positiva, pois a divindade que recebe o sacrifício é o mesmo Brahman do filósofo. Mas nem os sacrifícios nem os exercícios de ioga devem ser realizados com o intuito de se ganhar algo em troca, pois nem uma coisa nem outra, isoladamente, é capaz de alcançar qualquer resultado. Em última análise, é a misericórdia divina que salva uma pessoa do ciclo - e não seus próprios esforços. Portanto, o caminho mais seguro para a salvação é o bhakti, a devoção a Deus e a crença nele. Outro ponto importante é que todas as pessoas, independentemente de sexo ou casta, podem conseguir a graça se se devotarem a Deus.

Crença divina

A multiplicidade do hinduísmo também se manifesta em seu conceito de Deus. Em sua forma mais filosófica, o conceito hindu de divindade é panteísta. A divindade não é um ser pessoal, mas uma força, uma energia que permeia tudo: os objetos inanimados, as plantas, os animais e os homens. No extremo menos filosófico do espectro há um conceito politeísta, que acredita num grande número de deuses. Quase todas as aldeias têm a sua própria divindade local.



A adoração divina se concentra em dois deuses em particular, ambos com raízes védicas. Um deles é Vishnu. E um deus suave e amigável, normalmente representado como um lindo jovem. Sua maior importância no hinduísmo moderno deriva de seus "avatares" ou revelações, como Rama e Krishna. Especialmente popular é Krishna, adorado como o onipresente senhor do mundo. Costuma ser retratado como um pastor de ovelhas, e suas aventuras eróticas com as pastoras são interpretadas simbolicamente como o amor de Deus pelo homem. O relacionamento de Krishna com sua amada, Rhada, é explicado da mesma maneira. O amor entre os dois, sua separação e reconciliação são uma metáfora para o anseio que a alma sente por Deus e por sua união final com ele.

O outro deus com grande significado para o culto é Shiva. Ele é o deus da meditação e dos iogues, e em geral o retratam como um asceta. E igualmente um deus do desvario e do êxtase, tanto criador como destruidor, o que o torna ao mesmo tempo aterrorizante e atraente. E ele quem traz a doença e a morte, mas é também o que cura. Na devoção bhakti ele é visto como um deus cheio de compaixão, que salva o homem da transmigração.

A filosofia religiosa indiana se baseia na crença num deus eterno, mas não especifica se esse deus é Vishnu, Shiva ou algum outro. Deixa-se a cargo do indivíduo decidir de que maneira esse deus deve ser adorado. Nos círculos acadêmicos é comum ver Vishnu e Shiva formando uma trindade com o deus Brahma. Brahma é o criador, quem faz o mundo. Vishnu é o sustentador, que protege as leis naturais e a ordem universal. E Shiva é o destruidor, que no final de cada época dança sobre o mundo até reduzi-lo a pedaços. Uma vez que isso acontece, Brahma tem de criar o mundo novamente. Assim, essas três personagens, ou "máscaras", representam três aspectos de Deus: o criador, o sustentador e o destruidor. Essa doutrina trinitária, no entanto, tem pouca relevância na devoção popular.

Deusas

O hinduísmo tem uma série de deusas. Alguns adotam a teoria de que essa abundância de deusas não passa da expressão de uma grande e poderosa divindade feminina, a "Rainha do Universo" ou "Deusa-Mãe". Sua manifestação mais conhecida é Kali, a deusa negra, adorada sobretudo no Leste da Índia e a quem se sacrificam animais. O alto status de Kali no mundo dos deuses é evidente pelas imagens que a mostram pisoteando o corpo de Shiva.

A importância das deusas na religião indiana é visível pela escolha da "Mãe Índia" (Bhárata Mata) como a divindade nacional do moderno Estado da Índia. Na cidade de Varanasi há um templo especial que lhe é dedicado. Ali, em vez de uma representação da deusa, está exposto um mapa da Índia.

Divindades menores

A maioria das aldeias tem seu templo dedicado a Vishnu ou a Shiva. Esses deuses se concentram nas questões maiores, universais, e em geral são homenageados nos grandes festivais. Num nível mais terra-a-terra, as pessoas costumam visitar os pequenos templos dedicados a divindades menos importantes. Embora não sejam tão poderosas como Vishnu ou Shiva, é mais fácil se aproximar delas para assuntos de menor importância, tais como problemas pessoais.

Os deuses menores por vezes exercem influência em áreas especiais, por exemplo, em certos tipos de doença. Muitos deles têm origem humana: podem ser heróis que morreram em batalha, ou esposas que se ofereceram para ser queimadas na pira funerária do marido. Alguns deuses são espíritos malignos que foram deixados para trás por homens maus. Ao cultivar esses espíritos como deuses, é possível controlar e neutralizar seu mal.

Vida religiosa

O culto no lar e no Templo

A maioria dos hinduístas devotos têm em casa uma sala ou um canto especial onde põem estampas e esculturas representando um ou mais deuses. Na frente das estampas e imagens costuma haver um pequeno altar para a família celebrar o serviço divino. Em alguns casos isso ocorre diversas vezes por dia; em outros, uma vez por semana, geralmente na sexta-feira.

O culto pode variar de casa para casa, mas com freqüência compreende o sacrifício, a oração, a recitação de textos sagrados e a meditação. Antes de iniciá-lo, é importante estar ritualmente limpo. Quase sempre, um banho purificador é o primeiro passo. Prepara-se então o sacrifício, de acordo com certas regras. Pode-se pôr no altar arroz, frutas ou flores. Feito isso, o adorador se inclina até o chão, com as mãos unidas, diante das imagens divinas. É comum repetir o nome do deus e recitar textos sagrados; porém, também é habitual a oração espontânea, pessoal. Se foram postos frutos diante das imagens, estes serão comidos pela família ou oferecidos às visitas que chegarem.

Não é obrigatório que o hinduísta vá ao templo, mas nos templos há muitos serviços populares, e existe um templo em cada aldeia da Índia. O dia no templo começa com música para despertar os deuses; depois disso, são lavadas as imagens divinas. Durante o dia os deuses são alimentados várias vezes. As pessoas que chegam ao templo rezam para o deus, oferecem sacrifícios de flores e outros presentes, ou escutam a interpretação das escrituras dada pelo sacerdote.

O costume correto

Segundo os hinduístas, o que a pessoa faz é mais importante do que aquilo em que ela acredita. O costume correto é mais importante do que a ortodoxia; o rito religioso é mais importante do que o conteúdo religioso.

Embora a vida religiosa na Índia seja variada e multifacetada, a maioria dos indianos poderia concordar quanto a um darma comum, ou seja, uma lei ou ética comum. Isso não implica uma igualdade entre as pessoas.Darma significa que todas as pessoas têm responsabilidades para com sua família, sua casta e a comunidade como um todo - e que essas responsabilidades, desde o nascimento, variam de um indiano para outro. Tanto no contexto religioso como no social, a homogeneidade que o hinduísmo apresenta está na divisão do trabalho. Assim como o pássaro e o peixe obedecem a leis diferentes, o membro de uma casta segue regras diferentes das que regem outra casta. Dessa forma, o que é bom para um não é necessariamente bom para o outro. A boa moral consiste em adotar os preceitos e deveres de sua própria casta.

Os quatro estágios da vida

O Bhagavad Gita realça o valor das três vias de salvação e ao mesmo tempo destaca que cada pessoa deve cumprir seus deveres para com a família e a comunidade. Mas como conciliar as duas coisas? Desde os tempos antigos a vida do homem foi dividida em quatro estágios diferentes, que servem à compreensão, à adoração e aos deveres da casta. Essa divisão é relevante sobretudo para os brâmanes do sexo masculino. Os homens da classe dos guerreiros e dos agricultores também podem segui-la, em maior ou menor grau. Entretanto, "os quatro estágios da vida" representam um ideal, que nem todos praticam.

Em seu oitavo ano de vida o menino brâmane realiza um rito de passagem, no qual recebe o "fio sagrado", simbolizando que ele "nasceu pela segunda vez". O menino agora se torna um discípulo e é entregue a um mestre (guru), com quem estuda os textos sagrados (primeiro estágio).

Quando o jovem completa seu primeiro estágio de vida como discípulo, ele se torna um pai de família (segundo estágio). Casa-se, tem filhos, cumpre os deveres de casta e as obrigações sacrificiais, e desfruta dos prazeres da vida. Essa fase dura até que seus netos comecem a crescer.

O homem entra no estágio contemplativo da vida (terceiro estágio). Sozinho, ou em companhia de sua esposa, ele se retira para um local tranqüilo. Antigamente, muitas vezes ele ia para a floresta; hoje, em geral ele se dirige a um monastério ou um centro religioso (ashram).

Alguns prosseguem até o quarto estágio da vida e se tornam santos andarilhos. Nessa fase, o homem idoso fica perambulando, sem ter posses nem moradia fixa. Sobrevive com o pouco que recebe de esmola e passa o tempo inteiro em busca do autoconhecimento. Todos os deveres de casta e os laços externos foram rompidos, e o divino faz dele a sua morada.

O lugar das mulheres

A Índia também é um continente de grandes contrastes no que se refere ao papel da mulher e ao modo como ela é considerada, tanto espiritual como socialmente. O Livro dos Vedas afirma que o homem e a mulher são iguais "como as duas rodas de uma carroça". Entretanto, a aceitação prática dessa ideia tem sido bem mais difícil. Um livro indiano de normas, com 2 mil anos de idade, tem o seguinte a dizer sobre o papel da mulher: "Assim como o estudo e o serviço doméstico na casa de seu mestre são para o menino, assim deve ser para a menina viver com seu marido; ela deve ajudá-lo em seus deveres e ser ensinada por ele. Cuidar do fogo sagrado, como seu esposo lhe ensina, é comparável ao serviço do menino junto ao fogo sacrificial de seu mestre".

As mulheres na Índia são freqüentemente encaradas como "propriedade" do marido. Uma mulher solteira em geral tem um status baixo, e uma mulher casada sem filhos pode se encontrar numa situação bem precária. Por outro lado, a Índia foi um dos primeiros países a ter uma mulher como primeiro-ministro (Indira Gandhi). Muitas mulheres desfrutam de notável influência pública, e em nenhum outro país do Terceiro Mundo há tantas mulheres trabalhando fora de casa. Nesse contexto, ser membro de uma casta pode constituir um fator decisivo na situação feminina. O culto das numerosas deusas mulheres também pode contribuir para elevar a consciência das mulheres.

REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.: 40-51.